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As birras dos adultos

Blog escrito pelos psicólogos da Psinove. Exploramos temas relacionados com a psicologia e psicoterapia, desafios e reflexões do dia-a-dia.

As birras dos adultos

Quando pensamos na palavra birra, surgem-nos à mente reacções ou comportamentos exagerados, fora de contexto ou irracionais e que tendem a ser causados por um capricho pessoal, frustração ou contrariedade. São, afinal, comportamentos que tendem a quebrar a harmonia nas relações e são uma potencial fonte de problemas, se não forem bem geridos. Claro que uma birra todos podemos fazer, uma vez ou outra vez. Desde que seja apenas isso.

Associamos birras às crianças, é inevitável! A grande questão é que nós, adultos, também as fazemos e frequentemente. Neste texto, procuro explorar as birras nos adultos: o que as causa, de que forma se manifestam e o que temos a fazer nestes casos.

O primeiro passo é reconhecermos que as fazemos e quando as fazemos. Perante o outro mas, mais do que tudo, perante nós próprios. Dentro do conceito de birra, surgem tantas vezes comportamentos que nos levam a responsabilizar as outras pessoas e factores externos para comportamentos menos adequados (ou com piores resultados) que acabámos de ter. Tendemos a não assumir responsabilidades e gerimos muito mal as situações quando estas não correspondem ao que precisamos, gostamos e esperamos. Queremos que os outros adivinhem o que precisamos da forma como podemos fazer com eles. O que acontece é que as nossas emoções ficam mais à superfície e com uma grande probabilidade de serem do tipo “instrumental” – por exemplo, mostramos tristeza para que os outros nos satisfaçam o nosso capricho ou validem a nossa opinião sem que estejamos, real e genuinamente, tristes. Ou mostramos raiva por não termos o que queremos para, dessa forma, condicionar o comportamento presente e futuro dos que nos rodeiam em direcção às nossas preferências pessoais. E uma outra opção bem comum é ficarmos em silêncio e que se torna ruidoso e, até, ofensivo para os outros. Na realidade, este “tratamento de silêncio” tem a função instrumental de causar “mal-estar” nas outras pessoas para que venham ter connosco, dando-nos a atenção que procuramos. E, nessa sequência, é possível que, depois, não nos mostremos disponíveis para ela: “agora já não interessa”, “não vale a pena vires falar comigo agora”. Se virmos de fora, fizemos de tudo para chamar a atenção do outro e, quando finalmente o conseguimos, fechamos-lhe a porta na cara com estrondo! Escusado será dizer que estes comportamentos, conscientes ou não, são tudo menos saudáveis em qualquer tipo de relação.

Mas as birras dos adultos precisam de ser vistas não como um fim em si mesmo mas como um meio não adaptativo para a satisfação de necessidades emocionais vitais. Tantas vezes, ninguém nos ensinou a fazer melhor! Temos de olhar para o nosso desenvolvimento emocional como um edifício de grande complexidade e sensibilidade que vamos construindo, peça por peça, dia após dia. Desde o primeiro momento de vida e à medida que crescemos, precisamos de dois materiais de construção essenciais: amor e regras. Humanidade e estrutura. É essa combinação que vai promover o nosso crescimento saudável, emocional e relacionalmente. Problemas surgem quando esta construção gradual e sensível é afectada por eventos de vida que poderão deixar a sua marca.

Por exemplo, podemos ter de crescer depressa demais para lidar com mudanças, perdas e situações de grande impacto; podemos ter de “interromper” o nosso crescimento enquanto filhos porque temos de atender às necessidades dos nossos pais, irmãos e outros familiares – tornamo-nos “pais” e não “filhos”, numa troca de papéis causadora de tantos problemas que trabalhamos em psicoterapia.

Uma outra possibilidade para a origem da birra dos adultos é termos tido tudo conforme queríamos. Não desenvolvemos a necessária “tolerância à frustração” e não sabemos “adiar a gratificação”. Queremos tudo agora, à nossa maneira e explodimos quando não o temos. A nossa responsabilidade precisava de ser mais semeada. Precisávamos de aprender com os erros, de experimentar, de testar, de resolver problemas, de cairmos para nos levantarmos. Em vez disso, ficámos inseguros e dependentes da aprovação e contribuição de outros. Quando a protecção foi e é demasiada, o sofrimento torna-se maior do que se poderá pensar. Ter tudo de uma coisa (como os bens materiais) e nada de outra (como o afecto verbal e físico) pode criar um profundo vazio. Nem tudo o que parece é.

Outras vezes, aprendemos e observámos pessoas de referência a fazer birras lá em casa. Outros adultos que tinham reacções que contagiavam negativamente o clima emocional. E, muitas vezes, que "levavam a água ao seu moinho". Tantas vezes que nós aprendemos com eles, não tínhamos alternativas mais saudáveis. E estes padrões podem repetir-se gerações a fio. Precisamos que nos peguem na mão e conduzam pela vida, na medida do nosso passo.

Também podemos ter crescido em meios familiares e culturais onde se praticava a “supressão emocional”. Expressar-se o que se sentia e precisava não era uma opção. Aprendemos a guardar dentro de nós. Porque sentíamos que ninguém nos entendia ou porque tínhamos de ser o que era suposto ser – e não o que éramos realmente. Até que nos perdemos de nós mesmos. A birra passou a ser uma opção – saltámos degraus no nosso crescimento que ainda nos hoje nos fazem falta.

Finalmente, podemos ter crescido de forma exemplar. Tínhamos óptimas notas, tornámo-nos grandes desportistas, soubemos sempre o que dizer e o que fazer. Toda a gente nos via como exemplos para irmãos, colegas e amigos. Ficámos adultos no corpo de uma criança. Não podíamos desiludir ninguém. Os nossos cuidadores facilmente concluíram (erradamente) que “estávamos orientados”, que não precisávamos de colo e repetiram a perigosa frase “não dá trabalho nenhum”. Tudo era perfeito em nós. Os problemas surgiram quando nos apercebemos que também falhávamos. Que éramos humanos. E podemos então ter ficado com uma parte em nós que precisa de fazer birras como adultos. A de uma criança que foi empurrada para a frente.

Ainda que a reacção mais imediata que tenhamos perante a birra frequente de um adulto seja o afastamento ou o confronto, temos de ir bem mais além. Precisamos de ser empáticos e sentir o que a pessoa procura obter quando tem comportamentos que acabam por lhe causar problemas a si mesma. Muito do meu trabalho e dos meus colegas é ajudar as pessoas a reparar as falhas da sua construção emocional. Olharmos para o edifício da identidade, sentirmos o que o levou a ser dessa forma (adaptação, sobrevivência, ausência de alternativas) e os seus efeitos no aqui e agora (baixa satisfação geral, ansiedade, relações conflituosas, depressão, problemas no controlo de impulsos e outros). Percorremos a maneira como nos vemos, como vemos o mundo e como vemos as pessoas. É preciso sentir sem condições, ganhando e aplicando ferramentas de construção humana. Para, então, reconstruirmos o edifício e corrigirmos as falhas que não pedimos à vida para ter. Vamos sempre a tempo.

Somos adultos, sim, mas nunca deixaremos de ser um pouco daquela criança. Até ao dia em que já não precisamos de fazer birras. Tivemos a possibilidade de crescer. Sorrindo.


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