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Cuidar de mim como cuido daqueles que dependem de mim

Blog escrito pelos psicólogos da Psinove. Exploramos temas relacionados com a psicologia e psicoterapia, desafios e reflexões do dia-a-dia.

Cuidar de mim como cuido daqueles que dependem de mim

Fomos confrontados novamente com medidas que procuram responder, da melhor forma possível, à magnitude que esta pandemia tem ganho em todo o mundo. Voltou-se a restringir a circulação, o acesso aos nossos locais de trabalho, aos nossos espaços de convívio, amplificando, por sua vez, o contacto com a incerteza, a ameaça económica e a ansiedade subjacente a estas. A par com um sistema de saúde que está a ser levado ao seu limite, outra vaga de problemas já se está a adiantar relacionada com a saúde mental dos indivíduos, com necessidades insatisfeitas e adiadas que em si mesmas estão também estão a levar o ser humano ao seu limite.

Tenho vindo a pensar sobre todos os profissionais que têm estado na linha da frente desta pandemia. As suas escolhas profissionais juntamente com os seus perfis de cuidadores muito têm requisitado, perguntando-me qual o espaço que têm tido para atenderem às suas necessidades de contacto social, conforto e cuidado.

Embora neste momento esta preocupação esteja a ser espoletada por um enquadramento óbvio e alocada, de forma mais proeminente, aos profissionais que se encontram na linha da frente, admito que esta preocupação não veio só deste momento que atravessamos. Pelo contrário, esta apareceu desde cedo na minha vida pelo contacto com pessoas que, por intermédio de inúmeros fatores, já se colocam na “linha da frente” da vida dos que de si dependem ou pelo menos acreditam que o são (nas quais acredito que me possa incluir).

Sensibilidade, generosidade e bondade são muitas vezes os adjetivos utilizados para descrever pessoas que apresentam um perfil chamado pelo senso comum de “altruísta”. Não obstante do seu valor e necessidade, parece-me que não devemos também deixar de referir o reverso desta medalha que tanto se faz sentir nas pessoas que procuram acompanhamento psicológico, a dificuldade em estabelecer limites entre o seu autocuidado e o cuidado dos outros que lhes são próximos, a (quase que) exclusiva validação encontrada no “fazer o bem” e o impacto negativo na construção de identidade e consequentemente na saúde mental.

Na investigação decorrida para melhor perceber as crenças em que assentam o cuidado quase que exclusivamente orientado para os outros, debrucei-me com um texto de Jordan B. Peterson que tão bem reflete sobre a associação comum entre o autocuidado e o conceito de egoísmo. Duas ideias ficam deste texto que penso serem relevantes de ser partilhadas para provocar reflexões e mudanças sobre este tipo de funcionamento:

  • Os seres humanos têm a consciência, profundamente enraizada pela história e cultura ocidental, da sua enorme capacidade para fazer o mal e que esta está diretamente ligada à permissão para ouvir as vontades e necessidades mais individuais (lembro a célebre afirmação “a minha liberdade acaba quando a dos outros começa” e vice-versa). Desde cedo na história instalou-se a ideia, e para alguns o medo, de que se não estiver com os outros sempre em mente, se não duvidar permanentemente das minhas intenções para com estes ou até, viver uma vida de sacrifício, não estou a evitar o inevitável egoísmo do ser.
  • Por conseguinte, estar atento e ter empatia por mim, às minhas vontades, necessidades, recursos, vulnerabilidades e defeitos e, dedicar-me ao meu autocuidado são posturas ou atitudes encaradas como uma imposição natural desta egoísta essência do ser e não como a equação que tal representa: se eu não conseguir ser bom para mim, respeitar-me, ainda que à minha mais frágil essência, também não estarei apto a estar e cuidar de forma plena com os outros; trata-se de “amar aos outros como a mim mesmo” e não amar os outros mais do que a mim a mesmo.

A consciência e a vergonha sentida por muitos em relação à inevitável fragilidade/defeito do ser, levantam frequentemente a dúvida se somos realmente merecedores de cuidado, respeito e atenção, tanto por parte dos outros como de por nós mesmos e, em oposição, criam espaço para a ideia de que viver para os outros torna-nos mais capazes de confrontar esta mesma inevitabilidade.

No entanto, questões relacionadas com o autocuidado parecem estar a receber de forma gradual mais atenção e valorização, nomeadamente a sua relevância para a saúde mental, mas também, para a forma como estamos nas nossas relações. Tem-se tornado mais evidente, ao contrário do que acreditamos por vezes e como sugere o autor anterior, que o autocuidado tem não um, mas dois resultados, pois é sobretudo através deste que conseguimos estar e cuidar de forma mais plena dos outros.

Cuidar de nós como cuidamos daqueles que dependem de nós é em si mesmo uma necessidade e um dever do ser humano – que pode ir desde à procura daquilo que queremos ou que nos faz feliz, à prestação de cuidados básicos que asseguram o nosso bem-estar físico e psíquico. Devemos sim ser capazes de nos conhecer e compreender e, da mesma maneira que partilhamos os nossos recursos com os outros, devemos ser capazes de fazer o mesmo connosco.


Sofia Sousa de Macedo

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