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O Pânico

Blog escrito pelos psicólogos da Psinove. Exploramos temas relacionados com a psicologia e psicoterapia, desafios e reflexões do dia-a-dia.

O Pânico

Não gosto quando acordo assim, com a visão desfocada de tudo o que me rodeia. Aos primeiros instantes, sinto-me reagir a essa estranheza e a sensação que há algo de errado começa a inundar-me internamente. Obrigo-me a, mecanicamente, executar todos os movimentos que consigo perceber que estavam previstos, num esforço que parece que vai salvar-me a vida. Verifico tudo várias vezes e insisto em fazer tudo de forma rigorosa. Estou atrasada, consigo sentir todos os segundos que passam pela cadência do sangue nas minhas têmporas. Mas não posso deixar a cama por fazer. Nem a loiça suja no balcão. Ninguém deve perceber que há uma névoa a envolver o meu dia.

Tenho medo de chegar ao trabalho e não conseguir acertar como das outras vezes. As pessoas parecem achar que o sucesso nas coisas que faço é um fardo leve e cheio de felicidades. É o mínimo que posso dar. É a prisão que me aguarda quando persigo o sucesso.

Fecho a porta de casa, com consciência de estar a fazê-lo. Habituei-me a isso para não ter de regressar e verificar se tinha realmente rodado a chave. Corro para o autocarro, se me esforçar posso conseguir ainda chegar a tempo. O motorista parece distraído da sua função de conduzir, parando a todos os pretextos que consegue arranjar. Devia mesmo ter conseguido seguir no autocarro anterior. No banco da frente, duas raparigas falam sobre os planos para as férias e é inevitável que as ouça: vão visitar um país distante, combinam o que levar na mochila.

Subitamente a minha atenção é deslocada da conversa das duas amigas para o bater do meu coração. Rápido, rápido, cada vez mais rápido, a trovejar-me aos ouvidos. Tento ouvir o exterior mas apenas aquele ruído ensurdecedor me preenche. Um aperto no peito, como se o bater do coração diminuísse o espaço e me impedisse de respirar. Tenho consciência que o meu semblante começa a deixar transparecer o que vai dentro de mim. Tenho de sair do autocarro. Olho em volta e está tudo desfocado, como se uma névoa se tivesse apoderado desta realidade. Levanto-me e dirijo-me à porta para tentar sair mas imediatamente as pernas cedem, como se não obedecessem à minha vontade. Agarro-me ao corrimão e tento arrastar-me na direcção em que penso estar a porta. Finalmente consigo sair e não faço ideia de onde estou. O aperto no peito, o coração vai colapsar, sei-o com toda a certeza, sinto-o a acontecer. Não tenho dúvida alguma de que vou morrer e essa ideia aterroriza-me. Não posso morrer ainda, não faz sentido. O bater do coração a cadenciar os meus últimos instantes. Quero pedir ajuda, mas não consigo falar. A minha visão desfocada não me permite ver ninguém por perto na rua que estou a subir. Fecho os olhos, deixo-me deslizar para o chão e fico à espera dos meus instantes finais.

- Menina, precisa de ajuda?

A voz conduz-me para fora de mim. É antes de abrir os olhos que noto que o trovão provocado pelo batimento do coração já não se faz ouvir. Lentamente abro os olhos. Um idoso olhava-me, mantendo uns metros de distância. Não morri. Abanei a cabeça, para lhe dizer que não, e ele seguiu.

Não morri. Assustada e aflita, levantei-me e corri para o trabalho.


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